imagens e sombras de santa maria madalena na literatura e arte portuguesas

- a construção de uma personagem: simbolismos e metamorfoses - helena barbas - fev.2003

 

[] Diogo Bernardes, 1594 

À Magdanela

À Mesma

À Mesma


À Magdanela [1]

 

De Noucte a Magdalena vai segura,

Passa per homens d’armas sem temor,

Tam enlevada vai no seu amor,

Que lhe não lembra a quãto s’aventura.

 

5       Indo buscar a vida á sepultura

Quando não achou nella o Redentor,

Com suspiros, com lagrimas, com dor

Movia a piedade a pedra dura.

 

Suave Esposo meu, ah meu só bem

10     (Co’s olhos no sepulchro começou)

  Levarão-vos daqui? aqui vos tinha?

 

Quem vos levou Senhor, onde vos tem?

Torne-me, meu Senhor, quë mo levou,

Ou leve com seu corpo est’alma minha.

  


  À Mesma

 

 Banhada em vivas lagrimas Maria

Já fora do sepulchro se tornava,

Que vista d’Anjos naõ a consolava,

Por quanto do Rey delles pertendia.

 

5       Eis nisto o bom JESUS lh’apparecia

Em trajos, qu’hortelão representava.

Porq’ choras, molher? (lhe perguntava)

Tomaraõ, meu Senhor, lhe respondia.

 

E logo que na voz o conheceo,

10     A seus pés s’arrojou: mas o Senhor

Com dizer Não me toques, a deteve,

 

E juntamente desapareceo.

Ah que tam largo pranto, e tanto amor

Naõ vos pedë, Senhor, vista tam breve!

  


  À Mesma

 

  Fermosa penitente, que lavaste

  Co’ licor dos teus olhos cristalino

  Tu’alma, e pé de Christo, e os enxugaste

  Com tranças derramadas d’ouro fino.

 

5         Quanto amores por hum só divino

  Num ponto para sempre desprezaste,

  Quantos sospiros deste de contino

  Quam bem por tal amor os empregaste!

 

  Em sanctas esperanças as danosas

10      Trocar soubeste, e mil desejos varios

  Num só desejo, em lagrimas o riso,

 

 As cidades em ermos solitarios,

 Rochedos toscos, lapas escabrosas,

 Num brando, e deleitoso paraiso.

 

[]

 


[1] In Várias Rimas ao Bom Jesus e à Virgem Gloriosa Sua Mãi e a Santos Particulares: com outras mais de honesta, e proveitosa liçam. Dirigidas ao Mesmo Jesus, Senhor e Salvador nosso por... (Lisboa: na Officina de Miguel Rodrigues, 1770), pp.90-91. Este soneto, com pequenas variantes, vai aparecer como mote em Quintella, sem indicação de autor;