imagens e sombras de santa maria madalena na literatura e arte portuguesas - a construção de uma personagem: simbolismos e metamorfoses - helena barbas - fev.2003 |
De Noucte a Magdalena vai segura,
Passa per homens d’armas sem temor,
Tam enlevada vai no seu amor,
Que lhe não lembra a quãto s’aventura.
5 Indo buscar a vida á sepultura
Quando não achou nella o Redentor,
Com suspiros, com lagrimas, com dor
Movia a piedade a pedra dura.
Suave Esposo meu, ah meu só bem
10 (Co’s olhos no sepulchro começou)
Levarão-vos daqui? aqui vos tinha?
Quem vos levou Senhor, onde vos tem?
Torne-me, meu Senhor, quë mo levou,
Ou leve com seu corpo est’alma minha.
Banhada em vivas lagrimas Maria
Já fora do sepulchro se tornava,
Que vista d’Anjos naõ a consolava,
Por quanto do Rey delles pertendia.
5 Eis nisto o bom JESUS lh’apparecia
Em trajos, qu’hortelão representava.
Porq’ choras, molher? (lhe perguntava)
Tomaraõ, meu Senhor, lhe respondia.
E logo que na voz o conheceo,
10 A seus pés s’arrojou: mas o Senhor
Com dizer Não me toques, a deteve,
E juntamente desapareceo.
Ah que tam largo pranto, e tanto amor
Naõ vos pedë, Senhor, vista tam breve!
Fermosa penitente, que lavaste
Co’ licor dos teus olhos cristalino
Tu’alma, e pé de Christo, e os enxugaste
Com tranças derramadas d’ouro fino.
5 Quanto amores por hum só divino
Num ponto para sempre desprezaste,
Quantos sospiros deste de contino
Quam bem por tal amor os empregaste!
Em sanctas esperanças as danosas
10 Trocar soubeste, e mil desejos varios
Num só desejo, em lagrimas o riso,
As cidades em ermos solitarios,
Rochedos toscos, lapas escabrosas,
Num brando, e deleitoso paraiso.