imagens e sombras de santa maria madalena na literatura e arte portuguesas

- a construção de uma personagem: simbolismos e metamorfoses - helena barbas - fev.2003

 

[] Manuel Botelho de Oliveira,1703

A Aparição da Madalena - Soneto VIII

Maria Madalena aos pés de Christo - Soneto XCVII

As Lagrimas Devotas - Soneto CXIV


A Aparição da Madalena - Soneto VIII [1]

 

O corpo vai buscar de seu querido

Madalena nas ansias de amorosa

porem quando o não acha,

lacrimoza estilha o coração no seu sentido.

 

5       Christo lhe appareceo desconhecido

quando o não conheçe cuidadoza

tendo o bem que procura, venturoza

imagina que o bem tem já perdido.

 

Christo vendo de amor excelso tanto

10     em vertude do pranto que sentia

se descobri ao golpe deste encanto.

 

Que como Christo de pedra bem seria

que sendo pedra em que batia o pranto,

Madalena no pranto o descobria.

 


Maria Madalena aos pés de Christo - Soneto XCVII [2]

 

Sollicita, procura, reconhece,

com desvelo, com ansia, com ventura,

sem temor, sem soberba, sem locura,

a quem ama, a quem crê, por quem padece.

 

5       Ajuelhase, chora, se enterneçe,

com pranto, com affecto, com ternura,

e se foi indiscreta, falsa, impura,

despe o mal, veste a graça, o bem conhece.

 

A seu Mestre, a seu Deus, a seu querido,

10     Rega os pes, ays derrama, geme logo,

Sem melindre, sem medo, sem sentido.

 

Por assombro, por fé, por dezafogo,

nos seus olhos, na boca, no gemido,

agoa brota, ar respira, exala fogo.

 


As Lagrimas Devotas - Soneto CXIV

 

Lagrimas se derramem, os pecados

sabem lavar com sentimento puro

que não há nódoa negra, ou lastro impuro

que não seja das lagrimas sanado.

 

5       Chorou Daniel, e foi santificado chorou Pedro,

e ficou no amor seguro,

Madalena chorou, e o fogo impuro

em purissimo fogo foi mudado.

 

Ficão no amor as almas mais absortas

10     quando as lagrimas correm sucessivas

sendo portas do ceo, do pranto as portas.

 

Creçe a graça na Lagrimas activas

que suas culpas mortais são agoas mortas,

as lagrimas da dor são agoas vivas.

 

[]

 


[1] in Lyra Sacra em varios assumptos dedicada/ ao Illmo. Senhor Marques/ do Alegrete, do Conselho de/ sua Magde./ e seu veador da fazenda..), 12 de Setembro de 1703; fol. 33 v; [B.P. Évora, cód. CXIV/1-4]

[2] Ibid., fol. 53 v.;