imagens e sombras de santa maria madalena na literatura e arte portuguesas

- a construção de uma personagem: simbolismos e metamorfoses - helena barbas - fev.2003

 

[] Soror Maria do Céu, 1736

 

Vilhancico à Magdanela [1]

 

Mote:

Que pode ser, se não é,

Madalena, pois, assim

Brilha senão Serafim.

     Sol, Estrela, Rosa ou quê?

 

Madalena a quem amor

De tal sorte faz arder

Que tem deixado de ser,

Quem era antes deste ardor.

5       Se não é Sol, nem é flor

Se nela já se não vê

Nada de humana (porque

de humana já degenera),

Deixando de ser quem era,

10     Que pode ser se não é?

 

Eu digo que é tanto já

Depois que deixou de ser.

Que é Serafim, pois no arder

Igual com eles está:

15     E que com razão terá

O lugar de Serafim:

Que, se eles ardem sem fim

No fogo do amor Divino.

Arde também de contino

20     Madalena, pois, assim.

 

Pelo que chega a ser tanto

Que, absorta na luz mais pura,

É no ardor e formosura

Serafim que causa espanto.

25     Os que prodigio tão santo

Admirados, vêm assim

Chamam-lhe Rosa e Jasmim;

Outros Sol, que está brilhando,

mas nada parece, quando

30     Brilha, senão Serafim.

Com tudo que é Sol, e Estrela

Rosa e Jasmim dizem todos,

Porque por diversos modos

É unicamente bela.

35     Serafins, que vedes nela

Tudo o que o Mundo não vê,

Para que aplauda o que é

Com a voz e com a pena,

Dizei-me se é, Madalena.

40     Sol, Estrela, Rosa ou quê?

 

[]

 


[1] Este poema é citado pelo Pe. Manuel Bernardes como dedicado a Sta. Madalena de Pazzi: in Nova Floresta (tomo V), apud. Obras, (Porto: Lello & Irmão) Vol.iv, p.402;