imagens e sombras de santa maria madalena na literatura e arte portuguesas

- a construção de uma personagem: simbolismos e metamorfoses - helena barbas - fev.2003

 

[] Gonçalves Crespo - 1870

 

Transfiguração [1]

 

(Ao Dr. José Falcão)

I

Era a voz de Jesus, benigna e tão suave

Como um perdão de mãe ou como um trino de ave.

 

II

A turba, que o cercava, ouvia-o respeitosa,

Olhando aquela fronte ebúrnea e luminosa.

 

III

5       Elle chamava a si, com falas de esperanças,

O simples, o afflicto e as tímidas creanças.

 

IV

E fallava do céo, das cousas transparentes

E de um culto ideal, ás almas innocentes.

 

V

Aos humildes dizia, erguendo o olhar profundo:

10     «O reino do Senhor não é o deste mundo.»

 

VI

Ouviu-se então no povo, em extasi embebido,

Um grito suffocado, um chôro dolorido.

 

VII

Jesus baixara a vista affavel e serena:

«Feliz, disse, o que chóra, oh doce Magdalena!»

 

VIII

15     E ella, que em vida solta, alegre e descuidosa,

Passara os seus dias, triste mulher formosa!

Sentindo aquelle olhar, que entre elle e o céo fluctua,

Nas tranças, occultou a espádua semi-nua...

 

[]

 


[1] In Miniaturas, (Lisboa:Empresa Literária Fluminense, 1922, 6ª.ed.), pp.211-12;