imagens e sombras de santa maria madalena na literatura e arte portuguesas - a construção de uma personagem: simbolismos e metamorfoses - helena barbas - fev.2003 |
(Ao Dr. José Falcão)
I
Era a voz de Jesus, benigna e tão suave
Como um perdão de mãe ou como um trino de ave.
II
A turba, que o cercava, ouvia-o respeitosa,
Olhando aquela fronte ebúrnea e luminosa.
III
5 Elle chamava a si, com falas de esperanças,
O simples, o afflicto e as tímidas creanças.
IV
E fallava do céo, das cousas transparentes
E de um culto ideal, ás almas innocentes.
V
Aos humildes dizia, erguendo o olhar profundo:
10 «O reino do Senhor não é o deste mundo.»
VI
Ouviu-se então no povo, em extasi embebido,
Um grito suffocado, um chôro dolorido.
VII
Jesus baixara a vista affavel e serena:
«Feliz, disse, o que chóra, oh doce Magdalena!»
VIII
15 E ella, que em vida solta, alegre e descuidosa,
Passara os seus dias, triste mulher formosa!
Sentindo aquelle olhar, que entre elle e o céo fluctua,
Nas tranças, occultou a espádua semi-nua...
[1] In Miniaturas, (Lisboa:Empresa Literária Fluminense, 1922, 6ª.ed.), pp.211-12;