imagens e sombras de santa maria madalena na literatura e arte portuguesas

- a construção de uma personagem: simbolismos e metamorfoses - helena barbas - fev.2003

 

[] Gomes Leal, 1913

 

Madalena [1]

 

Descai o sol nos olivais do monte.

Colhe o gado o pastor. - Das largas eiras

vêm vindo as filhas de Jacob à fonte

com seu rítmico andar, entre palmeiras.

 

5       Um rouxinol suspira num loureiro.

- É nessa hora do ocaso, meiga e terna,

Em que o sol busca o mar como um boieiro

que vem beber à boca da cisterna.

 

Passam Jesus e os seus. - Sião, Ramá

10     as nostálgicas filhas de David

dizem, na sombra, baixo: «Quem será

este suave e místico Rabi?»

 

Mas o sol cai nos olivais do monte

Colhe o gado o pastor. - Das largas eiras

15     vêm vindo as filhas de Jacob à fonte

com seu rítmico andar, entre palmeiras.

 

Da Galileia ao Monte de Carmelo,

as judias, da sombra no mistério,

dizem, baixo: «Que príncipe tão belo

20     parece ser este Rabi tão sério!»

 

- Ele é mais louro do que um Sol levante,

mais meigo e casto que a mansa ave!

Ele é mais belo que um rei distante!

- «Quem será pois este Rabi suave?»

 

25     Mas o sol cai nos olivais do monte

Colhe o gado o pastor. - Das largas eiras

vêm vindo as filhas de Jacob à fonte

com seu rítmico andar, entre palmeiras.

 

Madalena em Betânia, desatando

30     seu cabelo, qual fúlgido lençol,

limpa os pés do Rabi, humilde, olhando

seus olhos cheios de domínio e Sol.

 

Lança-lhe aos pés um bálsamo correndo,

que Judas diz: do desperdício o cúmulo.

35     - Mas o Rabi suave vai dizendo:

«Triste mulher! Ungiu-me para o túmulo!»

 

Mas o sol cai nos olivais do monte

Colhe o gado o pastor. - Das largas eiras

vêm vindo as filhas de Jacob à fonte

40     com seu rítmico andar, entre palmeiras.

 

O lavrador, na tarde sossegada,

dos mistérios sismando sobre a origem,

vai andando e dizendo, sob a enxada:

- «Quem será o Rabi pálido e virgem?»

 

45     O pescador trigueiro das baías,

deitando a rede diz olhando o rio:

- «Quando virá o lúcido Messias?

- Quem é este Rabi louro e sombrio?»

 

O discípulo e apóstolo, cavado

50     dos jejuns, a sismar sobre a doutrina,

vai andando e dizendo: - «o Céu calado

pode criar a encarnação divina?...»

 

Pode o verbo ser carne? O Todo e o tudo

tornar-se a Parte? um ramo de David!

55     Ó Céu largo, ó Céu triste, belo e mudo!

Quem é pois, quem é pois, nosso Rabi?»

 

- Mas Madalena, num amargo choro,

limpa os pés do Rabi, cheia d'amor,

com seus longos cabelos feitos de ouro,

60     e, baixinho, soluça: - «É meu senhor!»

 

O Sol morreu nos olivais do Monte.

Rompe o virgem luar. - Às largas eiras

vão-se indo as filhas de Jacob, da fonte,

com seu rítmico andar entre as palmeiras.

[]

 


[1] In Gomes Leal - História de Jesus, José Carlos Seabra Pereira (ed,), Assírio & Alvim, Lisboa: 1998 (2ª.), pp.96-98;