imagens e sombras de santa maria madalena na literatura e arte portuguesas - a construção de uma personagem: simbolismos e metamorfoses - helena barbas - fev.2003 |
Maria Madalena
1. Vivendo
Túnica branca, a roçagar, silente,
as formas gráceis do seu corpo leve,
desnudo o colo dum alvor de neve,
cristal o olhar tão luminoso e ardente;
5 figura esbelta, fugidia e breve,
prendendo ao corpo dela o olhar da gente,
cedendo Amor, pedindo Amor crescente,
desnudo o colo de um alvor de neve;
vivendo a lei da Vida, como a Terra
10 que ama a semente e no seu ventre a encerra,
a alimenta, a agasalha e a reproduz,
lábios sorrindo sem esgares de pena,
Deusa de Amor – Maria Madalena
passa e, empós ela, há só rastros de luz.
2. Estiolando
seus olhos de cristal e terciopelo
perderam já o fogo de outras eras;
não brilham de esperanças, nem quimeras,
não vêem mundo, que não querem vê-lo
5 Rosas das faces – frescas primaveras –
Murcharam já, por falta de seu zelo:
desgrenha-se, incuidado, o seu cabelo
como a pelagem fulva das panteras.
- Deusa de Amor – ainda e só Amor
10 a leva a extremos tais! E mergulhando em treva
o corpo grácil de infernal beleza,
misticamente, segue empós Jesus.
Bebe-lhe a voz, inunda a alma de luz
- e abafa a voz da própria natureza!
[1] In Os Poemas de Álvaro Feijó (Lisboa: Portugália) 1961, pp.8-9;