imagens e sombras de santa maria madalena na literatura e arte portuguesas

- a construção de uma personagem: simbolismos e metamorfoses - helena barbas - fev.2003

 

[]  Alvaro Feijó – 1937 [1]

 

Maria Madalena

 

1. Vivendo

Túnica branca, a roçagar, silente,

as formas gráceis do seu corpo leve,

desnudo o colo dum alvor de neve,

cristal o olhar tão luminoso e ardente;

 

5       figura esbelta, fugidia e breve,

prendendo ao corpo dela o olhar da gente,

cedendo Amor, pedindo Amor crescente,

desnudo o colo de um alvor de neve;

 

vivendo a lei da Vida, como a Terra

10     que ama a semente e no seu ventre a encerra,

a alimenta, a agasalha e a reproduz,

 

lábios sorrindo sem esgares de pena,

Deusa de Amor – Maria Madalena

passa e, empós ela, há só rastros de luz.

 

2. Estiolando

seus olhos de cristal e terciopelo

perderam já o fogo de outras eras;

não brilham de esperanças, nem quimeras,

não vêem mundo, que não querem vê-lo

 

5       Rosas das faces – frescas primaveras –

Murcharam já, por falta de seu zelo:

desgrenha-se, incuidado, o seu cabelo

como a pelagem fulva das panteras.

 

- Deusa de Amor – ainda e só Amor

10     a leva a extremos tais! E mergulhando em treva

o corpo grácil de infernal beleza,

 

misticamente, segue empós Jesus.

Bebe-lhe a voz, inunda a alma de luz

- e abafa a voz da própria natureza!

 

[]

 


[1] In Os Poemas de Álvaro Feijó (Lisboa: Portugália) 1961, pp.8-9;