A dificuldade de fazer uma crítica a um espectáculo, às vezes, assemelha-se a de não divulgar quem é o assassino de um romance policial. Com este O Preço (1968) de Arthur Miller acontece um pouco isso. Miller joga nas mecanizações e vazios das rotinas, até das emoções. Falar de tais nuances e pormenores pode destruir o prazer do efeito das pequenas surpresas que recheiam a peça. O local é sempre o mesmo, o apartamento de uma família que foi opulenta; desabitado e com o abandono, tornou-se um enorme depósito de móveis, de memórias e rico bric-à-brac. A encenação é de João Lourenço, a dramaturgia de Vera Sampayo Lemos.
Em cena quatro personagens: Viktor Franz/Marco Delgado, um sargento da polícia à beira da reforma e dos cinquenta; a mulher, Ester/São José Correia, que enjeitou a poesia por um alcoolismo elegante; Walter Franz/António Fonseca, cirurgião de renome, que terá abandonado o pai falido e doente aos cuidados do irmão. E Gregory Solomon/João Perry, um judeu hipotético comprador do recheio. Durante quase duas horas contam-nos a história das suas vidas, a um ritmo por vezes alucinante, fazendo crescer a figura do ausente pai Franz, que vem dominar a cena da sua cadeira vazia.
Uma frase de Ester, repetida, poderia ser a moral desta história – «nunca vejo o que está mesmo diante dos meus olhos». Cada um à sua maneira, vê nunca o real, desde o valor material do que está à sua frente, até aos custos das decisões que foram tomando na vida, sem muito aprender. Em cena até 17 de Novembro.