Em 1897 escreve Gomes Leal um romance/carta em verso ao Rei D. Carlos – chama-lhe O Estrangeiro Vampiro – e reza em parte assim:
[… pág.8]
E então chamou-me alguém: – «Poeta dos Vencidos!
faze-te a língua e a voz dos ais e dos gemidos
dos nossos corações! – Alça uns amargos cantos
cheios de ódio ao Opressor!… Fala por nossos prantos!»
E então eu aceitando o dever duro e ingrato,
alcei o canto amargo… e disse intemerato:
«Ricos e maiorais deste país à beira
de um precipício a pique, a galgar a ladeira
da falência e a ruína, após cerrado o cofre
da Usura e da Onzena, olhai: – O povo sofre!
[… p. 10]
Mas ora então sabei – ricos e altos senhores
e Estrangeiros brutos… nossos vis opressores!
que nos estrangulais com a garra usuraria
que enquanto saboreais a sopa extraordinária
talvez de Vanderbilt… nossas mulheres e filhos
transam mil privações da miséria nos trilhos:
Que muitos largam a pátria e passam montes e rios,
Por não ter capitais com que arar os baldios:
Que muitos burgos há de entes sórdidos, nús
Onde nunca há brazido e comem peixes crús;
Há outros que, inda mais rotos, nús infelizes,
Pastam como animais, comem ervas, raízes!…
[… p.13]
Ora a um povo que tem oito séculos na História,
e feitos que jamais varrerão da memória
Homens de esforço, a nós, que expulsámos do solo
ao Espanhol, ao Saxão, rasgando o nosso colo,
ao Gaulês opressor, ao Bretão insolente,
e a Junot, o terror dos esquadrões, e ao ingente
Napoleão, ao qual nós servimos de escolho,
– que fizémos recuar e encrespar o sobrolho…
Agora a nós, Senhor, dos valentes o assombro,
pretendem os chatins… que na miséria e escombro
de todos os troféus e aspirações honestas,
dobremos a cerviz e curvemos as testas,
vencidos sem combate e sem alçar a espada,
de joelhos no chão, a cabeça rapada
como vencido hebreu às épocas remotas,
– a um bando charro e vil de onzeneiros* e agiotas!…
Esta acessível on-line, na Biblioteca de Fernando Pessoa – http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/bdigital/8-309/2/8-309_master/8-309_PDF/8-309_0000_1-67_t24-C-R0150.pdf
* – pequena actualização politicamente mais correcta.