A coragem do entendimento
Este foi um livro demorado, cuja génese tive o privilégio de acompanhar. E a minha crítica será muito suspeita porque fui aluna de Luís Moniz Pereira pelos inícios deste século. Reencontro no livro, revistas e muito aumentadas, as matérias com que nos brindava oralmente.
Desse tempo e de agora, pelo título e pelo conteúdo, evoca e invoca-me imediatamente dois textos teóricos que me assombram: Kant e Kuhn.
A Immanuel Kant (em “Resposta à pergunta: ‘Que é o Iluminismo?, 1784) vou buscar o sentido para o Iluminado desta Máquina. Diz ele que a palavra de ordem do Iluminismo é «Sapere Aude!: tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento». No livro de Moniz Pereira encontramos o registo de um longo exercício privado da exigência moral de auto-iluminação, de par com o altruísmo de, em liberdade, tornar colectivo esse conhecimento, partilhá-lo com os outros, estimulando-(n)os a pensar por nós próprios.
De Kuhn o fundamental conceito de mudança de paradigma desencadeado pelas revoluções científicas – nele era Copérnico. Em Moniz Pereira encontramos a justificação para a moderna e presente mudança de paradigma desencadeada pelo telescópico computador: «De facto, se com o telescópio passámos a ver mais longe, com o computador passámos a interagir com o mais complexo. Ele é o primeiro instrumento com quantidade significativa de memória passiva, manipulável de forma rápida, racional e automática por uma memória activa, na forma de instruções memorizadas, permitindo ipso facto uma complexificação ilimitada» (p.10). A Nicolau Copérnico (1473-1543) vai associar Charles Darwin (1809-1882), Sigmund Freud (1856-1939) e Alan Turing (1912-1954), não esquecendo Kurt Gödel (1906-1978), como marcos dos momentos de novas tomadas de consciência do mundo e do homem.
O subtítulo – «Cognição e Computação» – associa dois termos antagónicos, o entendimento de raiz humana, o cálculo adequado à máquina. E ao longo do livro, partindo do seu território da Inteligência Artificial, vai criar pontes entre estes e todos os outros universos. Mostra-nos as trajectórias da Matemática e da Lógica, o papel dos jogos na evolução e psicologia sexual, e as várias formas como tudo vai contribuindo para a auto-cognição e a consciência individual.
A conduzir-nos por estes caminhos aparece a figura de Fidélio, um alter-ego/avatar do autor, a enquadrar as teorizações num espaço narrativo, porque a realidade deste momento ultrapassa a ficção, mesmo científica.
A Máquina Iluminada é o exemplo do que deveria ser um manual académico (no mais límpido sentido do termo: claro e fidedigno) pois acompanha um percurso histórico da evolução (e revolução) da ciência (não apenas computacional), das suas filosofias, dos seus possíveis futuros. Mas lê-se como um romance da nossa vida e do nosso tempo.
Helena Barbas
A Máquina Iluminada – Cognição e Computação
Luís Moniz Pereira
Fronteira do Caos Editores – Porto, 2016, 259 pps. € 15,90
Mais sítios sobre A Máquina: Facebook e os vídeos sobre o lançamento: parte 1 e parte 2