… ou como a imersão se pode tornar num barrete quentinho até aos pés.
Para quem anda pelos digitais a exposição Van Gogh Alive torna-se obrigação, mesmo que antes da bilheteira se desconfie logo de tanta imersividade. Foi criada por uma ‘empresa’ Grande Exhibitions e terá estreado em Munique em 2014 (há três anos-luz portanto). Oferece mais de 3.000 imagens da obra de Van Gogh – em movimento (e oferecerá) – acompanhadas por sonoridades igualmente cinemáticas. Diz-se uma sinfonia de luz, cor e som, que convida a mergulhar numa inesquecível e inédita experiência multissensorial. Entre o convite e o mergulho vai uma distância abissal.
A primeira falácia destas exposições que se atacam às pinturas revelam que não percebem NADA de pintura: a pintura é estática, bi-dimensional (como a fotografia?). Se se lhes introduz movimento, a fotografia muda-se em cinema; a pintura pode transformar-se rapidamente em bacoquice. À prova desta exposição, associa-se um outro exemplo muito anunciado a que tive o penoso direito de assistir sobre Bruegel em Bruxelas – “Bruegel. Unseen Masterpieces – When art meets technology” Digital experience – disponível até 2020. A promoção no Google revela-se mais imersiva que a visita física ao Museu – (e os Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique – quem os viu e quem os vê…).
Atirar imagens de quadros às paredes e superfícies – em particular usando a tecnologia mais do que obsoleta do projector – deixar o recorte das sombras dos passantes sobre as ditas (não lhe queria chamar quadros), lança mau nome sobre a imersão e dá má reputação à realidade virtual.
Em pintura (esquecendo as colagens), a única tridimensionalidade é a da pincelada, da espessura da tinta, problema esse que tecnicamente ainda não foi abordado com sucesso pelo virtual.
Houve outras experiências com pintura figurativa com um pouco mais de êxito imersivo. Mas ao tornar física a perspectiva e ao dar volume às formas, transformaram-se os quadros em (pseudo) esculturas. O caso mais antigo é o da “Guernica” (1937) de Picasso – A 3D Tour of Picasso’s Guernica – de 2011. Mais recente, ainda e de novo sobre o pobre do Bruegel (“o Velho”, 1525-1569) em que o quadro “A queda dos Anjos Rebeldes” – na experiência apropriadamente denominada “Bruegel: a fall with the Rebel Angels [Virtual Reality]” a tela se vê transformada num mau exemplo de animação 3D a evocar os antigos livros pop-up para criancinhas.
O problema é antes de mais técnico, porque para se conseguir mesmo o efeito de ‘surround’ (profundidade e movimento) é de facto preciso fazer uma quadratura do círculo – a imagem ‘globular’ dos 360º tem que ser transformada, e ser projectada num cubo para se obterem vídeos de realidade virtual com alguma qualidade (Google dixit ).
É por este motivo que se torna (relativamente) fácil recriar imagens arquitectónicas (tridimensionais) como nos inícios com a Vila de Hadriano, o Museu do Vaticano/Capela Sistina (que não tira as pinturas das paredes…) ou Lascaux (desde 2009).
Uma maneira honesta de abordar a pintura encontra-se no tratamento do quadro de Hieronymus Bosch (1450-1516) “O Jardim das delícias Terrenas” (1501) (The Garden of Earthly Delights by Jheronimus Bosch). Pode escolher-se a forma de abordagem, sempre interactiva, para adultos ou criancinhas. Sobre cada cena do quadro são explicados os vários conceitos exibidos (pecados, nudez, mouros) com narração e texto, e notas explanatórias extra se pedido.
Sobre a imersão – agora quase sinónimo de Realidade Virtual – esta implica um estado mental em que a consciência do sujeito enquanto pessoa física é diminuída, ou se dissolve pelo tal mergulho num ambiente completamente absorvedor e envolvente. O exemplo mais recente, inteligente e claro, passe-se a publicidade, é o da Avestruz da Samsung.
Fazer isto com a pintura é difícil, até porque dá muito trabalho, mas conseguiu-se em Bruges, no Historiorum (2012) – com alguns subterfúgios aceitáveis.
Propõem-nos uma viagem no tempo à idade de ouro da cidade. O pretexto base é a preparação para a pintura “A Virgem com o menino e o doador Canon van der Paele” um quadro de Jan Van Eyck (1390-1441). Entra-se dentro do quadro, e somos levados a passear por Bruges em demanda dos elementos que o compõem (uma modelo que se atrasa, um papagaio que se perde pelo caminho). Procura ainda reconstituir um antigo porto coberto entretanto desaparecido – o Waterhalle (1294-1787). A viagem virtual até esse porto arranca do topo do mastro de uma caravela portuguesa. Uns quinze minutos de imersão a sério que levam à fusão do autor com o leitor, à materialização do narrador omnisciente de Henry James, a questionar os conceitos narratológicos de posicionamento dos narradores, a passagem da ‘visão por detrás’ à ‘visão com’. E fica-se mesmo como a avestruz acima referida.