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inteligências das mulheres – Christine de Pizan

Insinanças das Damas – “O Livro da Cidade das Damas” e “Das Tres Vertudes ou Espelho de Christina”

Christine de Pizan e Margarida da Burgundia

Christine de Pizan (1364? /1429-34?) nasceu em Veneza, mas vai para Paris quando o pai, Tomasso da Pizzano, médico e astrólogo, é chamado para a corte de Carlos V. Casa em 1380 com o secretário do Rei, Etienne de Castel, de quem tem três filhos (uma rapariga e dois rapazes). O pai morre em 1387, e dois anos depois fica viúva – tendo tido problemas judiciais para conseguir conservar os bens. Ficam a seu cargo os filhos, a mãe e uma sobrinha. Começa a escrever em meados da década seguinte, oferecendo poemas em troca de alguns benefícios, em demanda de um mecenas. Atinge a fama com o primeiro livro, “L’Êpitre au Dieu d’Amours”, publicado em 1402, um texto que marca o início da querela com Jean de Meun, que ela acusa de difamar as mulheres no “Romance da Rosa”.

De “O Livro das Três Vertudes” – também conhecido como “O Espelho de Cristina” por associação com os «Espelhos de Príncipes» – chegaram até nós 21 versões. Christine de Pizan era lida pelas princesas da Casa de Avis a quem se deve uma primeira tradução entre 1428 e 1455. Em português há pelo menos três manuscritos, e uma edição impressa – talvez mandada trasladar por D. Isabel, e publicada em 1518 por ordem de D. Leonor, viúva de D. João II.

Esgotadas estão as publicações modernas em papel: “A Cidade das Damas” com uma tradução de Ana Reis (Coisas de Ler, Almedina, 2007). Outra anterior, uma das edições críticas das versões portuguesas, assinada por Maria de Lourdes Crispim, é acompanhada pelo devido estudo da obra e autor – sintético e com a simplicidade da verdadeira erudição (Caminho, 2002) disponível embora em edição virtual na U.A.

Este texto formará com o anterior, “O Livro da Cidade das Damas”, «um conjunto em que, pela primeira vez, está patente uma tomada de posição feminina contra a tradicional imagem da mulher como ser menorizado e desprezado» (pág. 20). Em ambos estes livros Christine se socorre da alegoria, seja por costume do tempo, seja por não ser nobre e estar a escrever para a aristocracia. Já havia definido o perfil da mulher «verdadeiramente ilustre» que tem direito a morar na Cidade Gloriosa: «…todas as mulheres aí podem morar, independentemente da sua condição social. Para isso, apenas é necessário conhecer o caminho a partir da situação real em que cada mulher vive» (pág. 20).

Apresentando-se de novo como mandatária das Três Damas a quem dá voz – Razão ou Inteligência, Dereitura ou Rectidão e a Justiça – vai ser chamada para estabelecer as regras do comportamento a ser seguido pelas futuras cidadãs: «…havendo soo ociosidade por companheira, trigosamente me tornarom a aparecer aquelas três gloriosas Senhoras, dizendo todas as palavras d’hûûa sustancia em esta guiza: – Como, filha do estudo, hás tu esquecido o estilo do teu entendimento e deixas estar seca a pruma do teu trabalho da tua mãão deestra, no qual te soías tanto deleitar? Queres tu dar orelhas aa liçon da preguiça que sempre te engalhará se a creer quiseres – ‘Tu hás assaz feito!… tempo é de repousares!…’? Ora sus! Dá-nos a tua mãão! Encaminha-te e nom sejas mais escondida no espoojeiro da priguiça. Entende as nossas palavras e, per graça de Deos, farás obra proveitosa» (pág. 76).

Depois de invocarem como modelo o “Génesis”, declarando como «boa» a obra acabada, as Virtudes passam a explicar como deverá Christine «caçar» as damas: «(…) assi como o sajes passarinheiro aparelha as suas redes e laços antes que filhe as aves, queremos que, pois a morada das damas d’honra é feita e aparelhada, sejam per nós, com tua ajuda, pensados e buscados e feitos laços, redes, enjenhos, os quaaes tu estenderás pela terra, lugares e praças per onde as Senhoras e jeeralmente todas as mulheres passam, afim de que aquelas que som asperas e duras de amansar possam cair em nossas armadilhas, de guisas que poucas ou nenhûûa escapem das que hi tocarem e que todas, ou a moor parte sejam trazidas aa nossa Cidade Gloriosa, onde aprendam o doce canto daquelas que sempre hi fezerom morada…» (pág. 77).

Embora destinado a todas as «molheres», “O Livro das Três Vertudes” é dividido em três partes, de acordo com os «estados» sociais: as princesas, duquesas e grandes senhoras; as senhoras e donzelas que andam na corte, mais as «baronesas»; e depois as mulheres das vilas e lugares, do povo, dos lavradores. A todas se pede o mesmo – além do amor a Deus – o discernimento, a justiça e sabedoria: «Na realidade, a inteligência é a nova qualidade que a autora introduz no perfil feminino. É a inteligência que deve comandar a actuação da mulher: inteligência das intenções, inteligência das relações de forças. A busca do Bem é o fim último que deve presidir, em cada momento, às suas atitudes e para isso (…) não deve hesitar, se necessário, em usar inteligentemente de manha e dissimulação» (pág. 18). Em Christine tratam-se os problemas da «inteligência emocional» e do «poder feminino», coisas tidas e achadas por tão modernas e que são tão antigas.

Helena Barbas

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