Na tentativa de descobrir alguma informação fidedigna sobre Jeanne Duval, a tão famosa ‘négressse’, mulher fatal que tanto atormentou Charles Baudelaire – e que tão criativo o parece ter tornado – começaram a surgir alguns problemas – muito académicos. A maioria da informação auto-repete-se desde os anos 60, consolidando-se num folclore da prostituta sifilítica, maldita e amaldiçoada.
A partir dos registos históricos normais – certidões de óbito, nascimento – da visita à base de dados dos ‘Archives de Paris – Tables décennales’ etc. ficam algumas surpresas: o nome ‘Jeanne Duval’, em todos os 20 ‘arrondissements’ de Paris, entre 1600-1892 aparece em: 15 nascimentos, 5 casamentos, 20 mortes. Mesmo considerando que as que nasceram em Paris não casaram nem morreram lá, o total é 40 (a confirmar).
Acresce haver muitos factos a precisar de justificação: porquê o uso de vários apelidos alternativos (Lemer, Naeltjens, Prévost, Prosper) mantendo o nome próprio – uma múltipla identidade – por parte de uma ‘prostituta’; porquê o esforço de rasura por parte dos pintores ‘amigos’ – Courbet, o autor de ‘A Origem do Mundo’ (1866), que decerto não se ofenderia com más reputações, e que a oculta em ‘O Atelier do Artista’ (1855) – no fundo, repintado a verde:Édouard Manet que a mistura na multidão em ‘Música nas Tuilherias’ (1862) e executa um retrato da ‘Amante de Baudelaire, reclinada’ (1862), só o cargo, sem nome próprio, um modelo bem mais parecido com (a cunhada) Berthe Morisot – e que todos se apressam a identificar com Jeanne.
A intriga aumenta com o facto de, nos registos estatais, normais, em 292 anos aparecerem 40 Jeanne’s – o que mesmo para quem não percebe de estatísticas é muito pouco.
Todavia, uma busca paralela em bases genealógicas mais aristocráticas – i.e. Geneanet – o nome ‘Jeanne Duval’ vem desde o século XII, às dezenas. Quanto ao apelido DuVal, a família tem brazão de armas desde 1260, com o moto «Pro patria», via Richar DuVal ‘Sieur de France’, na Normandia:
Os Duval são Huguenotes – protestantes franceses, religionários, perseguidos desde 1560. Vítimas no Massacre de S. Bartolomeu (23 e 24 de Agosto de 1572) fogem de França – desde a primeira de três vagas de ataques (2ª. as ‘dragonadas’ de Luis XIV entre 1681-1759, a 3ª. com a revogação do Édito de Nantes (1598), e assinatura do de Fontainebleau (1685). Cinco dos principais ramos da família Duval emigram definitivamente para o Canadá, outros entretanto vão-se abrigando pela Europa, na Bélgica.
Com a Revolução Francesa (1789-1799) sabemos já que não seria muito saudável pertencer a qualquer aristocracia. Segue-se-lhe Napoleão, a 1ª. República, as Restaurações, as re-Revoluções de 1830 e de 1848. Entretanto, as ligações da família Duval a espaços exóticos relacionam-se com as intervenções francesas em Marrocos e na Tunísia.
Helena Barbas
[continua no próximo número]