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O problema desta Europa é religioso

Porque as coisas estão a ficar cada vez mais sérias, deixo aqui uma reflexão suscitada pelas palavras do economista Professor João Ferreira do Amaral no Expresso da Meia Noite de hoje.
A grande diferença entre os países do Norte e os do Sul é de carácter religioso. Fácil e rapidamente, o Norte é Luterano e o Sul é Católico Apostólico Romano. Antes de ser Marxista, o Capitalismo é Protestante – principalmente Calvinista – e sobre isto há um clássico: The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism, de Max Weber (1905).
O problema torna-se religioso porque são conceitos escatológicos antagónicos, e logo éticas antagónicas, que vão inspirar ambas as zonas, reflectir-se nas respectivas culturas e vidas. A consequência mais grave (para nós) tem a ver com a ideia de Salvação, e de Graça. Para a ideologia Protestante, o homem nasce salvo, ou condenado. A prova do amor divino é dada pelo índice de riqueza (dinheiro/ouro)  do seu berço.  Daqui que – por facilidade – se chegue ao raciocínio de que os pobres merecem a sua pobreza. Este duplo castigo permite justificar desde a escravatura até as WorkHouses victorianas; iliba os ricos da responsabilidade e necessidade de se preocuparem com os pobres. Inspira a exaltação do Self-Made-Man (o primeiro de todos Benjamin Franklin): aquele que, à revelia das condições do seu nascimento, consegue conquistar a Graça pelos seus próprios meios, levar Deus a abençoá-lo com fortuna e dinheiro. Daqui também que o lucro – qualquer lucro – se auto-justifique por todos os meios e seja desejável.
No Sul é o oposto. Os homens nascem em pecado, mas o Baptismo inclui todos imediatamente na Comunhão dos Santos. Cristo morrreu por todos, a Salvação está garantida e esta Graça tem condições morais, mas é «gratuita». Por tradição, o ouro e a usura são diabólicos. O dinheiro – uma mediatização – em si vale pelo que pode proporcionar, e a quem tem muito é elegante partilhar com os outros (a mão esquerda não pode ver a esmola dada com a direita).

O Encoberto - Lima de Freitas (1995)

     O Encoberto – Lima de Freitas (1995)

  Em Portugal, além desta ideia extremada pelo mar e a Finisterra, somos Franciscanos – advogamos a estética da pobreza, oferecemos a outra face, damos a camisa a quem estiver pior do que nós. Mais grave ainda, somos Joaquimitas. Temos ainda o Mito do Quinto Império – o da Idade de Ouro de António Vieira, em que este ouro será o não haver nem pobreza, nem fome, nem doença na terra. O dinheiro é ainda mais desvalorizado e há um salvador que ainda está para vir –  seja o Rei do Mundo, seja D. Sebastião a regressar numa manhã de neve (é mesmo neve). Isto tudo para dizer a quem manda em nós que o capital de austeridade e confiança que neles investimos foi um ESFORÇO extraordinário,  feito à revelia das nossas naturezas mais profundas, que não pode ser desbaratado.  A confiança já foi.
Para dizer que quando se negoceia com TROIKAs e afins, com a Europa Germânica, nunca se poderão invocar argumentos de solidariedade e caridade (ininteligíveis) mas apresentar racionalmente contas e fazer pedidos. Para dizer que, de todos os do reino Castellhano, os Catalães são os que mais connosco se parecem, e não nos perdoam termos conseguido a nossa independência à custa da deles (quando da Guerra dos Segadores, ao tempo de Filipe III/VI 1640-1652). As posições agora adoptadas não serão para recuar.
Ainda para dizer porque é que acho (e todos os deuses do Norte e do Sul queiram que esteja enganada) que isto – esta Europa financeira, com regras iguais para todos, esta moeda única inflexível  em que o Euro se tornou – não vai poder funcionar nunca. E se a União Europeia foi criada para evitar guerras e misérias entre os povos –  os do Sul já estão na miséria e a Grécia a ferro e fogo.

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