Lá por casa para a miudagem o jantar de dia de Reis era quase mais importante que o de Natal. Por causa da romã à sobremesa. Era o momento em que todos se levantavam para ir buscar as carteiras. Já sentados, com o porta-moedas bem alto na mão esquerda, comiam-se os grãos com açúcar e canela repetindo a lenga-lenga: «Santos Reis, Santos Reis, cada bago um conto-de-reis». Havia uma pacífica convivência entre monárquicos e republicanos – um conto de reis e mil escudos, equivalentes, ainda valiam qualquer coisa.
A entrada no Euro começou a dar-nos cabo da rima. Agora o Papa Bento XVI veio estragar o resto – só um rei, sem irmãos, ainda por cima espanhol/andaluz (mouro, portanto o Gaspar), para nós não dá. Sorte para Rajoy e Juan Carlos que nos arrepia tanta União Ibérica.
Assim, nem me vale a pena ler o livro que vai re-Reformar mais duas longas e fundas tradições dos lazeirentos do Sul. Quem criou o Presépio, introduzindo-lhe o burro e a vaquinha foi São Francisco de Assis, encenando a natividade nas florestas de Greccio para envolver os seus pastores no drama religioso. A Última Ceia ter uns vinte e tal convidados até se percebe, aumenta a festa (apesar da solidão imposta a Judas). No total ficam também arruinados pelo menos uns seis séculos de arte sacra. O que vale é que o Povo, habituado a iconoclastias, liga pouco a modernices. Uns restos de Bom Natal cheio de gado e uns Santos Reis cheios de ouros.