imagens e sombras de santa maria madalena na literatura e arte portuguesas - a construção de uma personagem: simbolismos e metamorfoses - helena barbas - fev.2003 |
Outra elegia a Madanela de Outro Autor [1]
a que tiraste señor muitas maldades
por te amar desacostumadamente
Deixa agora os parentes y as cidades
5 a vos busca com o peito cheo doutros amores
De noyte ao sepulchro veo apressadamente /Fol.miij
que o vosso amor puro lhe fez perder
Cortada dos trabalhos y da dor
y ella que depois que vos não vio
com os olhos nem com a alma nam dormia
15 Soo y triste de casa se sayo
sem cuydar vos ver resuscitado
ao sepulcro se foy onde vos ungiu
Cuidando que o vosso corpo amado
20 seria outra vez embalsamado.
Vio mortos vivos vio doentes sãos,
vio o que he mais sua alma desatada
de entendimentos y cuidados vãos
E ainda assi esta tam enlevada /Fol.miij-v
25 em tuas palavras y divino rosto
que de nenhuma outra cousa era lembrada.
De tudo al tinha perdido o gosto,
a vos so busca seu contentamento
em vos sñor o tinha todo posto
30 Isto a faz vir sem nenhum tento
a rebolver a pedra do moimento
Isto a faz estar quem nam movia
os olhos do sepulchro esperando
35 quem lhe dissesse onde vos veria.
Por vos continuamennte ela chorando
por vos nam sente dor nam sente medo
por vos sua tardança esta culpando
Parece lhe que por nam vir mais cedo
40 vos perdeo, y nestes sobresaltos
o seu spiritu nam estava quedo
Ao peito o coraçam lhe dava mil saltos
na terra te buscava onde tomou /Fol.miiij
nam pode os pensamentos ter mais altos.
45 Com lagrimas dizia quem sou
quem vos esconde de mi quem foy tam duro
que do Sancto sepulcro te levou
Aquelle brando, aquelle espiritu puro
50 consolar este peito mal seguro
Em quanto do Sepulchro estiver fora
o teu corpo sagrado nam terei nam digo alegre
55 que nam busque os campos discubertos
Por desusados caminhos y incertos
por mar, por rios, por povoados
vos buscarey señor y nos desertos.
60 Os meus olhos nam seram cerrados /Fol.miiij-v
com doce somno, y os meus pensamentos
nisto os terey sempre ocupados
Trabalhos, desonras nem tormentos
grandes necessidades y tristezas
65 nam me apartaram destes fundamentos
Bem sey que tudo isto sam estreitezas
sey que nenhuma cousa tu desprezas
70 dor y lagrimas se nam sam fingidas
quanto podem y quanta força tem
Nam foram estas suas esquecidas
que deus inda que tarde nam se esquece
se nam de condições endurecidas
75 Porque sabe o que quer porque conhece
primeiro que a todos lhe apareçe
Mas porque ainda / nam erguia do chão /Fol.mv
a sua alma a cousas mais seguras
80 aparecee lhe alli como o hortelão
Outro ser O Maria outras venturas
outro descanso outro repouso tens
diferente daquelle que procuras
Outros contentamentos outros bens
85 que nunca perderas, outra alegria
diferente daquella porque vens
esperavalo morto veio resurgido
90 Na ora que de ti foy conhecido
logo levantaste o entendimento
que trazias de todo escurecido
seguraste os cuydados y as lembranças
95 encheste a alma de contentamento
de nova paz, d'novas esperanças