Laura de Anfriso de Manuel da Veiga Tagarro

- poesia e história - helena barbas - Maio 2003

 

 

 ]  I - O Autor e o Mecenas  [

      Como atrás se referiu, o advento e triunfo dos formalismos e estruturalismo, nas décadas de sessenta e setenta, representaram uma revolução não apenas teórica, mas também prática, nos processos de abordagem dos textos literários. Como consequência mais imediata – alimentada ainda pela preponderância da linguística a nível das ciências humanas – assistiu-se ao menosprezo, ou mesmo­ afastamento definitivo, dos elementos éticos, políticos e históricos do campo do literário:

O estruturalismo, constituído para analisar estruturas sem sujeito nem história, depois de ter fracassado a dar conta do valor, não podia se não fracassar diante daquela carência de relações entre a ética e a política para cuja constituição ele próprio contribuiu. É por isso que o estruturalismo, linguístico e literário, sendo uma Teoria da linguagem, não pode constituir uma teoria do discurso. [1]

      Com o primado da linguagem, em que se salienta a combinação dos signos e os efeitos gramaticais, o sujeito da escrita, ou da leitura, torna-se uma entidade abstracta e a literatura é entendida como um jogo de universais que transcendem as línguas, ou uma prática específica da linguagem, sem se poder determinar, concretamente, qual essa sua especificidade. Por estes motivos, o conhecimento sobre a biografia – que é a história particular – de um autor torna-se irrelevante, mais ainda quando, numa posição extrema como em Foucault, se aspira ao discurso sem sujeito. [2]

      Mas o discurso é, segundo o linguista Benveniste, a linguagem como actividade dos sujeitos numa história. Reflectindo sobre esta definição, diz Meschonnic:

 

Para a Poética, se o discurso é uma prática do sujeito na história, o poema é tomado como a inscrição máxima do sujeito (com a sua situação e a sua história) na linguagem, enquanto as outras práticas do discurso se realizam como inscrição da linguagem na história e na situação. [3]

O facto é que, por força das relações que obrigatoriamente sustenta com o narrador, na projecção de atitudes ideológicas, éticas, e culturais, surge a necessidade – ou tentação – de preencher o vazio que se encontra por detrás do nome:

O autor, enquanto indivíduo empírica e historicamente existente, é sem dúvida, sob os pontos de vista ontológico e semiótico, o primeiro agente e o primordial responsável da “enunciação literária”. Entendemos por “enunciação literária a operação individual através da qual o autor se apropria não apenas da “língua literária”, [...] mas do “sistema semiótico-literário”, actualizando as suas virtualidades num “enunciado” ou numa “sequência de enunciados” que conformam o “texto literário” e assumindo, por conseguinte, a função de instância emissora cuja existência postula, explícita ou implicitamente, a existência de uma instância receptora. [4]

Assim, autor e obra estão directamente relacionados. Tanto mais que, por um lado, enquanto emissor, Manuel da Veiga Tagarro parece ocupar as duas facetas autorais, tal como definido por Roland Barthes [5]: a do autor-escritor, “aquele que trabalha a sua palavra” segundo normas técnicas e artesanais; e a do autor-escrevente, pois o seu trabalho de escrita postula-se como um testemunho e um ensinamento, conjugando, na palavra, as qualidades de meio e de fim. Por outro lado, a sua obra é dirigida a uma instância receptora específica e nomeada, o seu mecenas, também ele uma entidade histórica que, de algum modo, acaba por condicionar o fabrico do próprio texto.

            Torna-se, portanto, pertinente, uma tentativa para descortinar, por entre os fumos da história, informações que permitam o elaborar de uma biografia, não apenas do autor, como do seu mecenas.

[] H.B.[]


[1] Henri Meschonnic: «Le structuralisme, constitué pour analyser des structures sans sujet ni histoire, aprés avoir échoué à rendre compte de la valeur, n'a pu qu'échouer devant cette carence de rapports entre éthique et politique qu'il a, lui même, contribué à constituer. C'est pourquoi le structuralisme, linguistique et littéraire, étant une Théorie de la langue, ne peut pas constituer une Théorie du discours.» Les États de la Poétique, Puf, Paris, 1985, p.38.

[2] Michel­Foucault, “What is an Author?” in Partisan Review, Vol.­XLII, no.4, 1975, p.614.

[3] Henri Meschonnic: «Pour la Poétique, si le discours est une pratique du sujet dans une histoire, le poème est pris comme l'inscription maximale du sujet (avec sa situation et son histoire) dans le langage, alors que les autres pratiques du discours se réalizent comme l'inscription du langage dans l'histoire et la situation.», Op. Cit., p.43.

[4] V. M. Aguiar e Silva, Teoria da Literatura,­ Livraria Almedina, Coimbra, 1986, p.220-21.

[5] Roland Barthes, Essais Critiques, Seuil, Paris, 1964, p.148-151.

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