Laura de Anfriso de Manuel da Veiga Tagarro

- poesia e história - helena barbas - Maio 2003

 

 

III – Bucolismo e Intertextualidade ]

 

 3. Uma análise descritiva

     3.1  Exigência de uma dupla leitura

     3.2  As éclogas

     3.3  A epístola

     3.4  Uma estrutura épica

        3.4.1  O epilion

     3.5  Os livros de Odes


]  3.4 Uma estrutura épica [

      Pelo modo como estão organizadas estruturalmente, tanto as Éclogas como a Carta Dedicatória ultrapassam, de alguma maneira, as formas com que se nomeiam e, a par da intenção épica, bem como da importância das referências históricas e exibição de conhecimentos e alusões pedantes, seria possível enquadrá-las na estrutura do ”epilion".

            Este termo designa uma forma épica secundária, altamente artificiosa,  em voga no período helenístico, que tem como seu modelo inaugural a Hecale de Calímaco [1] a que o autor chama de "idílio heróico" e que vai ser considerado o manifesto da escola que defende o épico curto [2] e como seus precursores mais directos os Idílios épicos de Teócrito ("Hylas", XIII [3]; "Hércules criança", XXIV e "Hércules o matador de leões", XXV [4]) além da Europa de Moscus [5], e a Argonáutica de Apolónio de Rodes [6]. A tradição desta forma grega é seguida pelos latinos. Segundo Marjorie Crump [7], a sua evolução apresenta três momentos chave: o primeiro, correspondente ao período de Catulo, com Peleus e Tétis (em que a digressão se centra nos bordados que ornamentam o leito nupcial), o segundo momento, relacionado com Cornélio Galo, é representado pelo Culex e "Aristeu" (Georgica IV ) de Virgílio, e o terceiro, o período dos poetas augustanos, em que o grande mestre é Ovídio, pois subordina a construção das suas Metamorfoses a esta forma. Inspirado na tradição dos catálogos, Ovídio organiza os seus poemas em grupos (livros) a partir da ideia central da transformação, acabando por escrever um único poema, dando-lhe a aparência de unidade épica. Crump considera que tanto a canção do Sileno na Geórgica IV de Virgílio - que é ela própria um "epilion" -  quanto o livro X das Metamorfoses, fornecem listas dos temas a serem usados nesta composição.

[] H.B.[]


[1] Deste texto fundamental para o estudo desta forma, – nomeado a partir da mulher idosa que deu hospitalidade a Teseu – chegaram-nos apenas alguns fragmentos. Os comentários ao total do poema são feitos por Crinágoras (um epigrama) e Plutarco. Segundo Joseph Trabucco: «Du poème il nous reste peu de chose. Cependant on peut avec vraisemblance en imaginer la composition. La Nuit chez Hecale, La Chasse, La Mort d'Hécale faisaient une sorte de triptique poétique, dont La Nuit devait être le morceau le plus réputé.» in Oeuvres de Callimaque, suivies des Mimes d'Herondas et du Chant III des Argonautiques d'Apollonios de Rhodes, Soc. D'Éditions "Les Belles-Lettres", Paris, 1966, p.7-8.

[2] Esta opinião tem também os seus cépticos. Émile Cahen admite que o poema tenha sido utilizado por poetas posteriores, chefiados por Antímaco de Colofonte (séc. V), que o usam para fundamentar a defesa da «brevitas», e afirma: «L'oeuvre était assez nouvelle, de matière et de forme, pour soulever les polémiques littéraires. On a généralement rapporté, par idée préconcue, à la fameuse et obscure querelle de Callímaque et d'Appollonios toutes les indications relatives à de telles polémiques et la publication même de l'Hecalé. Mais le procedé est tout arbitraire./ En tout cas l'Hécalé est trés antérieure à la querelle des Argonautiques, car l'oeuvre d'Appollonios se ressent, au contraire de l'imitation de cette idylle héroïque.» in Callimaque, Soc. d'Éditions "Les Belles­Lettres", Paris, 1953, p. 14.

[3] Este texto levanta dificuldades de classificação aos especialistas, pois parece obedecer a duas categorias. Para Ph. E. Legrand: «... l'idylle XIII, si c'est un epyllion, c'est en même temps une pièce érotique, puisqu'elle est écrite pour démontrer la toute puissance de l'amour.» in Bucoliques Grecs – I, Soc. d'Éditions "Les Belles-Lettres" Paris, 1960, p. xxi.

[4] Por alguns considerado como apócrifo, o idílio é composto por três partes, por vezes denominadas éclogas. Para Ph. E. Legrand são evidentes as ligações com os outros textos acima mencionados: «Ainsi, par les singularités de sa composition, par la façon dont la mythologie y est traitée, par la place qui y est faite au détail familier et champêtre, l'idylle XXV rappelle des oeuvres du IIIe. siècle, "Héraclés enfant", "Hécalé"». in Bucoliques Grecs – II, Soc. d'Éditions ”Les Belles-Lettres”, Paris, 1953, p. 70.

[5] Normalmente celebrizado pela descrição do cesto da heroína – uma "eckphrasis" – também ela imitada de Teócrito: «A l'imitation de Théocrite décrivant dans la 1re. idylle un vase en bois habilement sculpté, Moschos décrit avec complaisance un talaros (c'est-à-dire un panier) fait de métaux précieux et ofrant plusieurs scènes de l'aventure d'Io», Ibid., p.143.

[6] Joseph Trabucco Op. Cit., pp. 143-87.

[7] Marjorie Crump, The Epyllion From Theocritus to Ovid, Basil Blakwell, Oxford, 1931; e C. A. Trypanis Greek Poetry from Homer to Seferis, Faber & Faber, London, 1981, p.­278-92.

[]