Laura de Anfriso de Manuel da Veiga Tagarro

- poesia e história - helena barbas - Maio 2003

 

 

[IV – A Relação Poesia-História]

 

 2. O(s) Mecenas

    2.1  O(s) Mecenas na obra

       2.1.1  Nas éclogas

       2.1.2  Nas Odes

    2.2  Anfriso como personagem histórica

 


]  2.2 Anfriso como personagem histórica [ 

      Embora Laura de Anfriso apresente poemas dedicados a D. Teodósio II e, implicitamente a seu filho, D. Duarte, Duque de Guimarães, dirige-se, em primeiro lugar, a D. Duarte de Frechilha e depois de Malagón, irmão do Duque de Bragança. D. Duarte, "excelente poeta", aparece representado sob a figura do pastor Anfriso, à semelhança do que acontece com o Duque de Alba na Arcádia de Lope de Vega. Do mesmo modo, o seu autor-narrador esconde-se, por vezes, sob o pseudónimo de um dos pastores e assume-se como "secretário" e "tradutor" dos cantos do seu mecenas, de cuja vida relata os principais passos.

      Sendo D. Duarte da Casa de Bragança é esta família que se louva, por vezes até ao excesso. Por outro lado, não sendo herdeiro directo do título, é exaltado como um "rei que não o é antes de o ter sido", mas na posição de herdeiro em segundo grau (e dado o carácter e intenções do primogénito lhe ceder o título) teria sérias hipóteses de vir a ser o Duque do nome, e o herdeiro da coroa.

      D. Duarte morre em 1627, data da licença de publicação da Laura de Anfriso. Esta coincidência permite supor que aquela autorização terá sido propositadamente demorada pois, com a morte do destinatário, o texto deixa de ser "perigoso" no alimentar de nacionalismos. Será também este sucesso que desencadeará a "confusão" quanto a nós, premeditada entre destinatários, pois está vivo um segundo D. Duarte, nas mesmas condições do primeiro: segundo no direito ao título, também ele de carácter mais forte e politicamente mais activo que o primogénito (como já  referido, os chefes do movimento da Restauração convidam-no a assumir o poder, antes de contactarem o Duque de Bragança).

      O facto de na Carta Dedicatória se poderem confundir tio e sobrinho terá como justificação provável a necessidade de protecção concreta por parte de Tagarro, cujo mecenas está ausente por longos períodos em Espanha; ou, no caso de a ode 5 do livro V referir a morte do mecenas se D. Duarte morre em Maio de 1627, antes da publicação dos poemas (as taxas datam de Agosto desse ano) o autor ver-se-ia obrigado, não só a arranjar rapidamente um substituto que financiasse a edição, como também garantir a sua permanência (e sobrevivência) como poeta de corte. É igualmente por este motivo – confirmado pelas redundâncias textuais – que se considera ter a Carta sido escrita depois das Éclogas. Nestas condições, a dedicatória ao Senhor D. Duarte poderá ser lida com um esforço para angariação, ou continuidade, de mecenato por parte do poeta que, sem alternativa, se veria obrigado a "abandonar as pérolas devido à necessidade de comer", ou a "lançar pérolas a porcos", ou não ser elevado como acha que mereceria  ou ainda buscar apoio junto de Margarida de Sabóia? Tanto mais que, na última ode do livro VI o narrador reconhece que não conseguiu os seus objectivos épicos, e que foi antes forçado a louvar Apolo e Diana:

Em fim se obras de gloria a luz não virão;

   As algemas de bronze o impedirão;

   E então pelos cabellos

   O tempo me levou a honrar a Delos;

   Como não busco gloria

   Não receio que a neguem à minha historia.

                              (vv. 181-86)

            Mas a sua história é, de acordo com o título, centrada na personagem feminina de Laura, "propriedade" de Anfriso.

[] H.B.[]